3 de julho de 2007

* “Lutar vale a pena”

A relação entre os professores da rede privada e os donos das redes de ensino particulares se revela semelhante à situação ocorrida com a maioria das outras classes trabalhistas e seus patrões. As Convenções Coletivas do Trabalho, reuniões realizadas todo ano no mês de fevereiro com o objetivo de estabelecer um acordo entre os anseios dos trabalhadores e os interesses dos dirigentes das escolas privadas, são marcadas pelo desvio de atenção. Em um gesto de gentileza oferecem um estupendo café da manhã, conversam sobre novela e futebol, com isso, uma das duas horas de duração estabelecidas para a reunião já se passou, dificultando a discussão sobre as reivindicações apresentadas pelo setor. Quem leva vantagem é o sindicato patronal que além de desviar a atenção, ainda se recusa a atender grande parte dos interesses da classe.
Os patrões se dispõem a ouvir, mas se negam a conversar. Esse é um dos entraves para as negociações trabalhistas, entretanto, existe uma barreira ainda maior e ela nem tem origem na truculência patronal. George Rafael Maia, professor de matemática do Ensino Médio do Colégio Arnaldinum São José e Diretor do Sindicato dos Professores Particulares do Estado de Minas Gerais, Sinpro –MG, afirma que o maior problema enfrentado pelo setor é aquele cultivado pela própria classe trabalhista. É o receio que maioria dos professores tem de se mobilizar a fim de pressionar os donos das escolas.
“A indisposição para o enfrentamento revelada pela classe é conseqüência da não proibição da demissão sem justa causa no Brasil”, afirma George categoricamente. Na última convenção realizada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), o país se recusou a assinar uma medida que visava o fim da dispensa sem justa causa. Essa atitude teve reflexos na classe dos professores da rede particular que se inibem quando o sindicato sugere uma medida mais drástica, como uma possível paralisação. “Eles têm medo de perderem o emprego”. De acordo com o diretor, o fantasma do desemprego acaba fazendo com que os professores aceitem salários e condições de trabalho abaixo da necessidade.
Idealista, como grande parte dos líderes sindicais, George vê a união da classe como o único meio para garantir a manutenção dos direitos e a satisfação dos interesses e reivindicações das classes. “Só a palavra dos líderes sindicais não adianta em nada. O que sensibiliza o patronato é a união de todos os membros da classe”, diz. “Eles precisam reconhecem a sua força”, conclui com otimismo.
O receio da categoria em enfrentar os patrões é interpretado pelo professor como algo próximo à escravidão. Segundo ele, os professores se deixaram dominar pelo medo da demissão e da falta de emprego e se acomodaram, o que acaba favorecendo os patrões. “O problema não é ficar sem emprego, mas se deixarem submeter”, argumenta George.
As últimas conquistas obtidas pela classe na última CCT e a manutenção de outros interesses do setor firmados anteriormente funcionam como um incentivo para a classe se manter e unida e reivindicar mais interesses. George aponta a manutenção do ganho real, ou seja, a reposição salarial levando-se em conta os índices inflacionários e a garantia de salário até o fim do período letivo (anual ou semestral) em caso de demissão como alguns dos motivos para a classe se organizar efetivamente a fim de conseguir alcançar a ratificação de seus grandes interesses.
O aumento nominal do salário é, de acordo com George, o maior objetivo da categoria atualmente. Já há alguns anos, na verdade, afinal, a exemplo de seus colegas da rede pública estadual, os professores da rede particular estão há 12 anos sem receber um aumento real. A concorrência entre as escolas tem sido uma das vantagens dos professores privados em relação aos do Estado. “Ter os melhores professores a fim de conquistar o aluno, faz com que os colégios particulares ofereçam altos salários”, comenta o diretor do sindicato.
Por um outro lado, George é pessimista com a concorrência. Para ele, as instituições educacionais se transformaram em empresas que visam, antes de tudo, o lucro, o que dificulta ainda mais negociações. Os patrões começam a agir como grandes empresários e começam a ouvir mais os alunos do que a própria classe trabalhista.
Questionado se as negociações pioram já que os colégios a cada dia mais disputam o aluno como um mero cliente, George não escondem, diz que sim e ainda brinca: “O cliente tem sempre razão”. “Porém, é preciso não deixar nunca de lutar”, emenda logo ele.
Como disse uma vez o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano: “A utopia está no horizonte. É preciso tentar alcança-la.”

* o título da matéria foi extraído de uma manchete do jornal “Intervalo”, de outubro de 2007, divulgado pelo Sinpro aos seus filiados.

Texto redigido para a disciplina jornalismo econômico. A pauta era entrevistar algum líder sindical.

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PS.: O motivo da opção pro um professor é óbvio. A classe não tem seus salários aumentados com o aumento dado pelo governo. As professoras da rede estadual de Minas Gerais não recebem aumento há 12 anos e ainda tem coragem de dizer que Aécio é um bom governador.


30 de junho de 2007

Economista culpe Febraban pelos juros praticados no país

Marco Pólo Ribeiro, 55 anos, economista e professor de Economia Brasileira da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais afirma que o grande desafio do PAC é crescer dentro das limitações impostas pelo Bacen (Banco Central do Brasil). Segundo ele, o problema do crescimento econômico do Brasil é dos Ministérios do Planejamento e da Fazenda que entra diretamente em choque com a política do Bacen. Prioriza-se, antes de qualquer ação mais audaciosa, o medo da inflação, trabalhando, portanto, no sentido de “manter a inflação estável”, diz.
Criado pelo governo brasileiro no dia 22 de janeiro deste ano, o PAC é um pacote de medidas econômicas, entre elas sete decretos e sete medidas provisórias, que visam promover o crescimento econômico do país. De acordo com o governo, essas medidas surgiram em razão da lenta performance econômica do Brasil nos últimos anos. No ano passado, o país apresentou um crescimento de apenas 2,9%, pouco mais da metade da economia mundial, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Assim, o grande objetivo desse plano é retomar o crescimento e alcançar as metas de 4,5% em 2007 e de 5% em 2008.
Porém, o alvo estabelecido para este ano é questionado em virtude da ortodoxia do Banco Central que insiste em praticar uma alta taxa de juro Selic. Mesmo com a queda 0,25% ponto percentual, fixando, assim, a taxa em 12,75%, ela, ainda assim, é muito elevada, se comparada à de outros países. O dobro da taxa de juro da Turquia, que apresenta a segunda maior do mundo.
Tendo em vista a postura do Bacen, Marco Pólo critica o conservadorismo do Banco e afirma que a inflação não depende da taxa de juros, mas da taxa de câmbio. “Enquanto o dólar estiver a R$ 2,00, não tem risco de inflação”, argumenta.
Ele ainda vai mais longe em suas críticas e afirma, categoricamente, sobre a não-autonomia do Bacen: “Eu digo que o BC pertence à Febraban” (Federação Brasileira dos Bancos), diz, com segurança. Segundo Marco Pólo, os banqueiros são os grandes responsáveis pelas altas taxas de juros praticadas no país.
A grande lesada com a política econômica adotada é a população brasileira. Segundo Marco Pólo, a carga tributária brasileira é afetada com a política de juros altos. O dinheiro utilizado para saldar a dívida com os bancos é transferido para a população sob a forma de impostos, o que faz com que o país, tenha a maior carga tributária do mundo. “150 bilhões pagos de juros aos bancos, vêm dos impostos”, avalia.
Marco Pólo afirma também que a elevada taxa de juros é um problema da história administrativa do Bacen, uma vez que a maioria dos presidentes do Banco presidiu grandes corporações financeiras privadas. O próprio Henrique Meirelles, atual presidente do Bacen, exerceu a função de presidente do Banco de Boston (recentemente comprado pelo banco Itaú), no Brasil, de 1984 a 1996. Ele também dirigiu mundialmente o BankBoston Corporation, em Boston, nos Estados Unidos, de 1996 a 1999.
Outro exemplo recente que ilustra a afirmação de Marco Pólo é o do economista Armínio Fraga Netto. Ele ocupou a principal função do Bacen no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e é membro do Conselho de Administração do Unibanco.

Texto redigido para a matéria jornalismo econômico. A pauta era entrevistar um economista sobre a situação econômica do país.

Perfil: Mislene Ferreira da Costa Alves Barroso

Mislene Ferreira da Costa é vendedora ambulante. Todos os dias, às 06:30 da manhã, ela monta sua barraca recheada de verduras fresquinhas na rua Viçosa esquina com a rua Cristina, no bairro São Pedro, zona sul da cidade Belo Horizonte. Ela pertence a classe C e a sua realidade é semelhante a de outros 60 milhões brasileiros considerados pobres, o que representa uma fatia de 23,4% da população. Não fez faculdade, não tem uma renda fixa mensal e sobrevive do trabalho informal. Além disso, pode ser incluída nos 60% de trabalhadores que não são regidos pelos direitos trabalhistas. Esse número coloca o Brasil em quarto lugar como um dos países que tem um dos maiores índices de mercado informal se comparado a outros 110 países.
Para poder estar no local logo cedo, Mislene acorda às 5 horas da manhã. Ajeita as verduras dentro de uma kombi branca, ano 1989. A kombi pertence aos irmãos que, assim como ela, vendem verduras em outros bairros de classe média alta da capital. Junto com eles, ela saí de Justinópolis, distrito de Ribeirão das Neves, e percorre os 25Km que o separa de Belo Horizonte, até chegar ao bairro São Pedro. Lá, em frente ao supermercado Verdemar, em uma das regiões mais movimentadas do bairro, a moça fica em pé, atrás da barraca, até o meio-dia, quando irá encontrar com os irmãos nas bancas dos outros bairros e, juntos, percorrem o caminho inverso, com destino à cidade de Justinópolis.
Mislene cumpre religiosamente, de domingo a domingo, esta mesma rotina há pouco mais de dez anos. “É um pouco mais que isso, mas pode colocar dez para ficar mais exato”, ela diz. A moça começou junto com a mãe e aos poucos foi tomando o seu lugar. Hoje, a mãe trabalha no bairro Floresta e ela adotou o São Pedro como seu ponto de vendas.
Coberta com um plástico azul bastante precário para suportar o período de chuva desta época do ano, a barraca de Mislene está sempre abarrotada de verduras: alface americana, alface lisa, alface roxa, almeirão, couve-flor, brócolis, própolis. O preço varia, pode ir de R$ 1,00 até R$ 2,50. As verduras mais simples, alface lisa e couve, custam R$ 1,00 e o própolis, quase sempre procurado, mas raramente encontrado custa R$ 2,50. Geralmente, couve e alface disparam como os campeões de venda.
Todas essas verduras provêm de um mesmo lugar: a plantação de seu tio Ênio Ferreira da Costa. “Ele planta e nós vendemos”, explica Mislene. Ela e os irmãos compram as grades de verduras do tio e revendem. Todo o dinheiro obtido com a venda fica para ela. Os irmãos também ficam com aquilo que arrecadaram durante o dia.
O ganho diário varia de acordo com as verduras que se tem no dia. Se tem tomate, espinafre, couve-flor, ela ganha mais, se são verduras mais simples ela arrecada menos. Mas o valor retirado, por dia, fica em torno de cem reais. Porém, Mislene argumenta que, mesmo arrecadando essa quantia por dia, o valor não é o bastante. Só é suficiente para as questões úteis à sobrevivência. “Não dá muita grana, mas dá para sobreviver”.
Mislene ressalta que, atualmente, dá para ganhar apenas 0,50 centavos por cada molho de verdura que vende. Ela compra, por exemplo, uma alface por 0,50 centavos e revende por 1,00. Tem um lucro de 50%, ou seja, se vende 100,00 por dia, ela ganha R$ 1.500 por mês. Porém, ela se mostra insatisfeita e reclama “Antes, eles compravam, mas agora, não compram tanto. Só reclamam”. Como diz não ter outra coisa para fazer, ela tem que se sustentar com este serviço. A contrariedade surgiu há pouco tempo, porque ela afirma que antes, vendia muito mais do que vende hoje. “Não sei qual o motivo, mas era assim”, reclama.
As queixas de Mislene parecem incompreensíveis, quando os dados relativos às sete classes sociais brasileiras, divulgados pela pesquisa do Target Marketing, no ano passado, são analisados. Houve um aumento de 48% na renda daqueles que ganhavam as piores remunerações, algo em torno de três salários mínimos, caso este em que podemos encaixar Mislene. O inverso ocorreu com a classe média, que sofreu uma estagnação. Uma funcionária pública, provida de curso superior e lotada na Fundação João Pinheiro, ganhava, em 1995, R$ 1.283,33. Em 2006, o seu salário base registrado foi de R$ 1.591, 35. Uma queda de mais ou menos, 46% na renda mensal.

As despesas

Mislene é casada há onze anos. Mora em uma casa própria com o marido e o único filho do casal, um menino de seis anos de idade. Com o pagamento das despesas domésticas, não sobra quase nada para se gastar em lazer. Sem o menor constrangimento, Mislene revela, com naturalidade os gastos domésticos: “É gasto com menino na escola, alimentação, água, R$ 57,00 com telefone fixo e mais a luz. Minha luz vem um absurdo, mais de cem reais. E eu ainda tenho um cachorro, com o qual eu gasto cerca de cinqüenta reais todo mês”.
Porém, todas essas despesas são divididas igualmente com o marido que é motorista de ônibus. Além disso, ela ainda paga ao tio, todos os dias, a grade de verduras que irá revender. “Não dá para comprar um carro, mas sobrevivo”, encerra o assunto.

Verão chuvoso. E a plantação, como fica?

“Você não vai encontrar espinafre em nenhum dos sacolões da rua”. Essa é a resposta de Mislene a uma compradora que procurava insistentemente pela verdura favorita do Popeye.
Indagada sobre a dificuldade de encontrar a verdura neste período chuvoso ela argumenta: “O espinafre mela muito com a chuva. As verduras estragam muito, mas o espinafre é o que sofre mais”. Segundo Mislene, o alto índice de chuva, na região metropolitana de Belo Horizonte este ano, tem dado um prejuízo enorme. A perda é tão grande que para cada 1.000 pés plantados, você colhe apenas 100. “Quem vive disso, passa aperto”, diz ela.
O melhor período do ano para a plantação e a venda vai do mês de março até o mês de novembro. Já os meses do verão, dezembro, janeiro e fevereiro, além de sofrer com a inflexibilidade do tempo, ela sofre com as festas de fim ano. “O pessoal só pensa em festa, viagem, e depois vem a chuva...”
Mesmo reclamando da queda das vendas nos últimos anos, Mislene mostra-se satisfeita com a freqüência dos compradores no bairro São Pedro. Não existe um dia em que se compra mais, ou um dia em que se compra menos, o número de compradores e de vendas quase não se altera.
Segundo ela, o problema é só com os dias de chuva. Além de prejudicarem a plantação, eles dificultam as vendas.
Porém, apesar de revelar-se um pouco chateada com os problemas financeiros, ela ainda faz questão de enfatizar que gosta do trabalho e de vender. Isso se deve ao fato de poder chegar cedo em casa e sobrar tempo para fazer outras coisas. Ela cuida da casa e de seu filho. “Chego cedo, vou embora cedo e dá tempo de fazer um milhão de coisas”.
O maior problema, segundo ela, são os moradores do bairro. Apesar, de conhecer muita gente, ter os compradores cativos e até trocar receitas de comidas com alguns deles, ela reclama da exigência das compradoras. “Tem muita gente que só sabe reclamar”. Ao final, Mislene afirma que ter um serviço próprio é melhor do que trabalhar para outras pessoas.

Texto redigido para a matéria jornalismo econômico. A pauta era entrevistar uma pessoa que vivia do trabalho informal.

28 de junho de 2007

Quando a o turismo toma conta, uma boa solução é investir na própria casa

Já se passavam das 12 horas de terça-feira, 20 de fevereiro, último dia de carnaval. As pessoas, aos poucos, desfaziam suas barracas cuidadosamente montadas em um dos quinze acampamentos da Vila de Trindade. A pequena vila, habitada pela população caiçara, está situada a 28Km da cidade de Paraty e faz divisa, ao sul, com a cidade de Ubatuba (litoral norte do estado São Paulo).
Noel, o dono do camping que leva seu nome, “Camping do Noel”, acabara de chegar de Paraty e discutia com uma espécie de funcionário. “Eu já te disse para você não deixar colocar essas barracas grandes no acampamento”, era o que ele dizia ao moço, exibindo um tom de voz elevado.
Apesar de ter nascido na vila em que a única rua é a Avenida Dr. Sobral Pinto e de ser descendente de índios, Noel tem o espírito capitalista arraigado no sangue. Não gosta de barracas grandes – daquelas que possuem divisão - pois, segundo ele, elas ocupam um espaço que poderia ser perfeitamente ocupado por três barracas pequenas. Cobra estacionamento daqueles que vêm de carro e corta, sem dó, a energia dos chuveiros do camping quando percebe que os hóspedes se enfileiram para tomar banho, logo depois que o sol se põe e a praia não é mais um ambiente convidativo. O que deixa a galera revoltada: “Pó, mas a gente pagou R$ 30,00 por dia e nem direito à água quente?” O sujeito nem se importa com as reclamações e desliga a chave na frente de todos.
Ao contrário de qualquer pousada ou hotel, as diárias são cobradas por pessoa e devem ser pagas antecipadamente. Porém, ainda assim, o “Camping do Noel” é uma das opções mais acessíveis aos turistas. Ele representa uma alternativa frente ao elevado preço cobrado pelas pousadas nesta época do ano. A diária de uma pousada localizada em frente à praia, como a “Pousada Beira-Mar”, pode chegar a R$ 80,00 em períodos de alta temporada, como no carnaval.
A segurança pode ser concebida como um dos serviços oferecidos pelo camping durante a estada. Isso se deve ao fato da contratação de dois vigias que são encarregados de cuidar de todo o movimento na área do acampamento. Um deles trabalha durante o dia e, o outro, à noite. Os dois controlam a entrada de gente estranha no camping, ou seja, aqueles que não estiverem lá hospedados, se dependerem deles, não entram. Porém, ao final, é fácil burlar a segurança, embora nenhuma anormalidade tenha sido registrada durante os quatro dias de carnaval.
O camping do Noel tem capacidade para 100 barracas e está situado defronte à Praia de Fora, um dos lugares mais bonitos da vila, que tem atraído, ultimamente, uma quantidade cada vez maior de turistas.
Foi, a partir da construção da rodovia Rio-Santos, ou BR 101, no ano de 1976, que Trindade se tornou mais acessível e começou a atrair turistas de todo o país que vinham seduzidos pela beleza de suas praias situadas no meio da Serra da Bocaina, em plena Mata Atlântica. Com isso, logo após, travarem uma luta contra uma multinacional que desejava explorar os recursos oferecidos pelo lugar, os moradores da vila enxergaram no turismo uma forma de burlar a exploração. A atividade poderia funcionar como uma boa forma de conseguir algum dinheiro.
Noel foi um desses trindadeiros que percebeu que poderia ganhar algo com a vinda desses turistas. Foi então que, no início da década de 80, no ano de 1982, ele colocou o quintal de sua casa à disposição de pessoas que vinham de todo o país em busca do contato com a natureza e com a atmosfera mística do local. No início, quando o “Morro do Deus Me Livre”, trecho de subida que leva às praias paradisíacas, ainda era de terra, ele comenta que tudo era muito improvisado. “Eu abri minha casa por insistência das pessoas que vinham aqui”. Noel ressalta que nem banheiro tinha: “As pessoas faziam xixi e cocô no mato e se banhavam na praia”.
Em 90, a estrada foi asfaltada, favorecendo, assim, o aumento do número de visitantes. Percebendo o sucesso que o turismo fazia na região, Noel aumentou a área, improvisou um banheiro no meio do camping e, se antes, a diária era referente às barracas, a partir de então, elas passaram a ser cobradas por pessoa. Com o passar do tempo e com o aumento desordenado de turistas, a necessidade de uma melhor infra-estrutura se tornou imprescindível. Ele mudou a localização dos banheiros no camping e construiu mais. Hoje, existem 8 banheiros disponíveis, sendo que seis deles têm chuveiro e apenas dois, os mais disputados pelos turistas, apresentam água quente. O restante tem os fios cortados. “Tudo foi feito de acordo com a necessidade”, ressalta, a fim de explicar as melhorias do local.
Noel também colocou alguns tanques e distribuiu, por toda a área, fios, que servem como varal, item imprescindível para aqueles que curtem uma praia durante todo o dia e precisam lavar as roupas de banho sujas de areia e sal.
Não existe em Trindade qualquer Posto Policial, o que facilita o uso de drogas em qualquer lugar da vila. Porém, Noel é avesso ao uso dessas substâncias dentro de seu camping. Além de repetir incansavelmente para qualquer um que lá decida se hospedar que é proibido fumar maconha, está escrito na parede externa dos banheiros e na parede de sua casa algo como: “Drogas não respeite o bom ambiente” ou “Uze suas drogas bem longe daqui. Qui. Qui.” (usar com “z” mesmo). Ele afirma não gostar que se faça uso dessas substâncias no acampamento, uma vez que, seus filhos ainda estão muitos novos e, principalmente, devido às pessoas que lá se hospedam. “São pessoas importantes. Eu quero que aqui seja um lugar tranqüilo e que não dê motivo para se falar mal daqui”, argumenta.
Indagado se dava para tirar muito dinheiro, sem hesitar, Noel responde que sim. Com um sorriso estampado rosto, ele diz: “Dá muito para eu sobreviver. Não preciso de mais nada. Eu só não quero mais dor de cabeça”. A dor de cabeça, ele explica, é conseqüência dos dois dias que passou em Paraty e não viu as duas barracas gigantes ocuparem um grande espaço do camping.

Noel parece estar satisfeito com os ganhos, porque mesmo se fosse dono de uma pousada, ele não estaria tão bem. “Eu estou velho, pousada dá muita dor de cabeça e aqueles que venderam suas casas para a construção pousada estão hoje, muito pobres”, explica e emenda, “Quem sabe quando meu filho crescer, ele não faça uma para ele”. A alegria de Noel parece ser imensa. Também, apesar das barracas gigantes ocuparem um espaço imenso, o camping dele estourou a capacidade. E o carnaval mais uma vez rendeu uma “graninha” boa. Não é mesmo senhor Noel?

Texto redigido para a disciplina jornalismo econômico. A pauta era formas alternativas de se ganhar dinheiro no Carnaval.